MEU PRIMEIRO POEMA
Por: Antonio Tenório
Primeira flor do lácio, inculta e bela.
Destes mares, navegados por humanos mundanos.
Causadores de danos, dores e flores.
Esperançosos autores, algozes de outrora.
Portugueses donos e fregueses.
Em cima do touro que se transformou em tourinho.
Por meio, sob e sobre a areia da praia foram construídas estórias e a história.
Os donos da terra de hoje foram servos e estrangeiros de outrora.
Os ocupantes, transitantes e andantes de outrora já não existem, ou se existem, foram misturados, miscigenados.
Uma mistura inculta e explícita, terrível e bela.
A vida terrena já existia antes mesmo da religiosa, do marco que se chamam do descobrimento.
Descobriram e excluíram o que havia, o que existia, o que vivia.
Desviaram o rio do mar, o mar do porto, o porto do povo, e este, daqueles.
A madrugada que forjou - e forja a essência dos pescadores – continua existindo, mesmo que inexistindo.
Existir ou inexistir, eis a grande dúvida para os caiçaras deste pedaço de chão.
Madrugada e pescadores, pescadores madrugantes, murmurantes, andantes e errantes, dependentes e contentes como o vento.
Dividiram o território que antes era indivisível territorialmente, geograficamente, mas apenas humanamente – tribalmente.
Praias, rios, dunas, roças, roçados e lagoas, uma lagoa em expansão, expandida lagoa do Boqueirão.
Água, sinônimo de vida, vida cultivável, agricultável agricultura que abastece, fornece e engrandece nosso povo, agricultor e pescador.
Água doce de lagoa, de onde vieram as raízes, do broto do olho da cana, Canabrava.
Por onde andam os cravos, fincados, apregoados, enforcados e massacrados, negros escravos.
Escravos isolados no passado e tolhidos no presente, mesmo que subsidiariamente.
Índios e escravos ou escravos e índios? Qual a distinção? Quem distingue? Quem se importa? Bom mesmo é a vitória, vitória no comício.
Comício de índios ou de escravos? Ou dos dois? Ou de nenhum? Ou de todos? Ou de alguns?
Saudades do tempo em que não vivi, mas que sinto que vivi.
Vivo o que não vivi por meio das estórias de meu pai, de meus avós que quase nunca contaram ao meu pai o que viram e que ouviram.
Contudo, viveram, assim como meu pai vive e viverá na eternidade de minha mente, na brevidade de minha vida serena, singela, grandiosamente pequena.
Numa madrugada aproximaram-se da terra que diziam ser desconhecida, mas que era conhecida e habitada por gente conhecidamente desconhecida e estranha.
Avistaram o que era conhecido e mesmo assim chamaram de desconhecido: o povo, a terra, o marco, a raça, a tribo e a gente.
Para uns, a madrugada foi descanso conhecido, para outros, uma esperança desconhecidamente estranha, esperançosos e estranhos.
O início deu-se a partir da madrugada, o início do fim, ou o fim do início.
O mar foi o lastro de nossos grandes avanços, mas também lastreou nosso fracasso.
Fracassos avançados, povo avançado ou fracassado? Talvez sejamos apenas povo, sem adjetivos.
Adjetivo qualifica, mas quem pode qualificar alguém?
Naquela madrugada nascera o porto que mais tarde se chamaria de touro, ou dos touros.
Nesta madrugada eu encerro e descerro o início ou o fim, ou os dois.
Fortaleza, Ceará. Madrugada do dia 19 de fevereiro de 2021.